Tiro certo no futuro

Andressa Schütz
6 min readJun 23, 2018

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Por: Andressa Schütz

Cristiano Zarichata tem 37 anos, cinco deles como praticante de arco e flecha. Desde 2013, dá aulas na Associação Arthemis, que possui um projeto social para que crianças em idade escolar possam aprender a prática do arco e flecha, além de participarem de competições regionais e nacionais. Na entrevista a seguir, Cristiano conta mais sobre sua trajetória no esporte e também sobre o projeto do qual faz parte.

Repórter: Fale um pouco da sua trajetória no Arco e Flecha e como tu começaste a praticar esse esporte.

Cristiano Zarichata: Eu comecei em 2013. Eu era chefe-escoteiro de um grupo aqui de Cachoeirinha, e peguei um arco emprestado de um amigo meu, de brinquedo, inclusive, e fui fazer algumas atividades com as crianças. Nisso, um dos chefes do grupo me comentou que o vice-prefeito aqui da cidade tinha interesse, que se ele soubesse dessa atividade iria querer falar comigo. E assim aconteceu, me passaram o contato do vice-prefeito da época, e ele me chamou no gabinete dele para conversar. Então ele me fez a famosa pergunta: ‘quer ser professor em um projeto de arco e flecha na cidade de Cachoeirinha?’. Na época, eu não era instrutor nem nada, e até achei um pouco estranho, como eu iria aceitar assim, né? Daí o vice me disse que tinha uma parceria com a Federação Gaúcha de Arco e Flecha, que eu receberia uma capacitação pra ser instrutor, e então eu aceitei. Isso foi em abril de 2013. Em setembro do mesmo ano já recebemos a primeira remessa de materiais vindos da Federação para desenvolver o projeto. Eu então peguei as mesmas crianças do grupo de escoteiros, em torno de trinta alunos, dei uma palestra inicial, na Casa do Leite (casa de cultura da cidade de Cachoeirinha) e assim iniciou o projeto Alvo no Futuro aqui em Cachoeirinha. Em 2014, entrei para o quadro de servidores da prefeitura como oficineiro, então foi oficializado o projeto. Foi um ano de crescimento e expansão, abrimos núcleos em outras localidades do município. Algumas das crianças começaram a ter um bom desempenho, e então precisávamos vincular elas a algum clube para que pudessem participar de competições e também justificar onde estavam sendo aplicados os recursos federais, que eram os materiais. Como não tínhamos clube em Porto Alegre, vinculávamos as crianças em um clube em Porto Alegre, juntei alguns pais de alunos e fundamos a Associação Arthemis, que não possui fins lucrativos, é uma associação civil de direito privado, para que assim pudéssemos vincular as crianças em um clube e entrar em competições estaduais e consequentemente nacionais. Então em 29 de janeiro de 2015 surgiu a Arthemis, fruto da prefeitura com a Federação Gaúcha de Arco e Flecha. Desde então, a coisa está andando, este ano o projeto foi novamente acolhido pela prefeitura, nossos horizontes se expandiram dentro da Federação e do Estado, então esse projeto foi um marco dentro da história do tiro com arco gaúcho. Hoje o Rio Grande do Sul tem grande visibilidade nacional graças à Arthemis ter investido tanto nas categorias de base.

Repórter: Atualmente com quantos alunos a Arthemis conta?

Cristiano: Hoje a Arthemis conta com oito crianças desenvolvendo o esporte em alto rendimento, temos também alguns adultos associados e outras crianças entrando no projeto. Então além desses oito, são cerca de trinta crianças no projeto social que estamos abrindo de novo através das escolas, e a ideia é até o final deste ano transbordar o número de 100, como já foi em anos anteriores.

Repórter: Quais as principais premiações dos teus alunos?

Cristiano: Os mais importantes… Vou falar dos nacionais, porque os estaduais são muitos e eu realmente não me lembro de cabeça. Hoje o atual campeão e o vice-campeão brasileiro no individual masculino são da Arthemis. São dois meninos de 13 e 14 anos. A terceira colocada ,medalha de bronze, no infantil feminino também é nossa. Nós temos também a segunda colocação nacional de equipe masculina de cadetes. Cadetes comporta idades de 15 a 17 anos. Ainda na categoria infantil temos a equipe mista campeã brasileira e a equipe masculina infantil, também primeiro lugar nacional. Então temos aí bastante conquistas, inclusive no ano passado tivemos algumas nessa mesma faixa.

Cristiano corrige postura de aluno durante a aula. Foto: Andressa Schütz

Repórter: Quais as principais dificuldades que o projeto enfrentou?

Cristiano: A dificuldade que a gente vem enfrentando é com a questão de recursos. Por ser um esporte com materiais muito elitizados, muito caros, isso inviabiliza muito conseguirmos o que a gente realmente deseja. Na verdade, o projeto só deu certo porque a Federação Gaúcha de Arco e Flecha entrou com os materiais, que é proveniente do Ministério dos Esportes e que é um legado da Rio 2016. Muito dinheiro foi investido na época pré-Olimpíada, foram adquiridos os materiais e que são hoje o que temos para desenvolver. Fora isso, tem sido também a questão… Agora nem tanto, mas a questão das flechas, de materiais de consumo, porque os arcos nós temos, mas flecha é algo que consome. Uma dúzia de flechas tá em torno de R$ 1600, ou seja, não é barato, e nossos alunos são, na grande maioria, de situações de vulnerabilidade, ninguém nasceu nadando no dinheiro, todos vieram de projeto social. A nossa maior dificuldade tem sido isso. O que ainda conseguimos contornar é com ações, porque envolvemos e engajamos os pais e famílias, a gente consegue promover eventos, fazer pedágios, rifas, jantares, tudo isso pra angariar fundos e adquirir os materiais e tudo aquilo que nos falta.

Repórter: Tu notaste alguma mudança nos teus alunos desde que começaram a praticar o arco e flecha?

Cristiano: Muitas. Mudanças muito grandes, principalmente em longo prazo. Em curto prazo a gente não enxerga muito, porque é muito ‘fogo de palha’, das crianças que vem e fazem o arco e flecha nem todas ficam, porque é um esporte que exige muita disciplina, muita coordenação, muita paciência. Não é um esporte que te facilita a criar uma jogada nova, é repetição, disciplina, postura, precisão. Isso acaba melhorando algumas habilidades cognitivas e emocionais da criança, como o equilibro, a tolerância à frustração. Em longo prazo, eu vejo que esses oito de alto rendimento que estão comigo tem outra vida, digamos assim, em relação a quando eles entraram [no projeto].

Repórter: No geral, qual tu acreditas ser a importância do esporte, não apenas para essas crianças, mas para todas as outras.

Cristiano: A minha opinião é que o esporte é um dos pilares da construção do caráter de qualquer ser humano. São eles a educação, a cultura e o esporte. Veja bem, no meu ponto de vista, para desenvolvermos um bom cidadão, temos que ir atrás da vocação daquela criança, quais os tipos de habilidades ela é propensa a ter. Algumas não são muito do raciocínio lógico-matemático, outros não gostam muito de ler nem de escrever, porém têm um potencial esportivo magnífico. Então, se não existe o esporte, se não existe o acesso ao esporte, o quê a criança vai fazer com o potencial dela? Aí é onde ela acaba muitas vezes achando brechas na delinquência. O esporte ele é formador, é extremamente importante pra formação do caráter e da cidadania dos jovens.

Repórter: Pra quem desejar entrar em contato com a Arthemis ou até mesmo fazer parte do projeto, qual é o caminho?

Cristiano: Sendo morador de Cachoeirinha, a Arthemis está a disposição, ou também de cidades próximas, temos encontros no CADOP [Colégio Agrícola Estadual Daniel de Oliveira Paiva] todos os sábados pela manhã. Pode também nos encontrar nas redes sociais, facebook.com/arthemistirocomarco , ou se for de localidades mais distantes, pode procurar no site da Federação Gaúcha de Arco e Flecha, vai lá em ‘Onde Praticar’, no menu, e pode encontrar todos os clubes, as escolas que existem no Rio Grande do Sul para a prática.

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